O governo do Amazonas decidiu reativar uma cadeia para
transferir e manter em segurança detentos ligados ao Primeiro Comando da
Capital (PCC), que estão recebendo ameaças após as 60 mortes registradas no
domingo e na segunda-feira em duas prisões de Manaus. Segundo autoridades que
investigam o crime organizado, a medida apenas encerra um capítulo da guerra
declarada entre o PCC e o Comando Vermelho (CV). Em São Paulo e no Rio, berços
desses grupos, respectivamente, a atenção sobre os líderes dentro das cadeias
foi redobrada, para evitar represálias pelo País.
Segundo o Serviço de Inteligência da polícia do Amazonas, 98% da
população carcerária – cerca de 10 mil detentos – pertence à organização
Família do Norte (FDN), aliada do CV e responsável pelo massacre. Depois das
mortes e das transferências, acredita-se que a situação local está controlada –
e uma reação do PCC no Estado está descartada.
A guerra entre o PCC e o CV se intensificou em junho, depois do
assassinato do narcotraficante Jorge Rafaat Toumani, de 56 anos. O “rei do
tráfico” sofreu uma emboscada na fronteira com o Paraguai e o atentado é
atribuído a integrantes do PCC. Segundo investigações do Ministério Público
Estadual (MPE), o PCC então não dividiu o domínio do tráfico, o que motivou o
racha com o CV.
Na sequência, chegaram a 18 os presos mortos em rebeliões em
presídios de Boa Vista (Roraima) e Porto Velho (Rondônia), em outubro. Depois,
o sistema prisional do Rio teve de transferir integrantes do PCC para presídios
ocupados por inimigos do CV. Em São Paulo, o Primeiro Comando chegou a fazer um
levantamento de quantos presos de facções de outros Estados estão no sistema
para uma eventual represália.
Segundo o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial
de Combate ao Crime Organizado, investigações detectaram que o PCC está em
todos os Estados, mas enfrenta forte resistência no Norte e no Nordeste. A FDN
decidiu acabar com o PCC no Amazonas. Mas não se sabe como o PCC reagirá. “A
situação se agrava quando o poder público tem de equacionar facções criminosas
rivais em um espaço pequeno e muito limitado. É uma tragédia anunciada”, afirma
a desembargadora Ivana David, juíza corregedora por dez anos e especialista em
crime organizado.
Segundo Gakiya, há uma forte preocupação em isolar a cúpula da
organização criminosa paulista, que está, desde o mês passado, no Regime
Disciplinar Diferenciado (RDD), na penitenciária de Presidente Bernardes. Nesta
terça-feira, 3, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) procurou minimizar a
questão. “Não tem nenhuma relação, aqui não teve problema nenhum”, disse. “O
que importa é ter prevenção, inteligência, isolar líderes. A lógica do RDD é
romper o fluxo de dinheiro. À medida que você isola, tira a comunicação.”
No
Amazonas
Desativada em outubro por recomendação do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), “por graves violações de direitos humanos”, a Cadeia Pública
Desembargador Raimundo Vidal Pessoa começou a receber detentos que saíram do
Centro de Detenção Provisória Masculino, do Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat)
e da Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) – nesta, quatro presos morreram na
segunda, em um episódio considerado como continuação do massacre no Complexo
Anísio Jobim (Compaj), que deixou 56 mortos. Até o início da noite desta terça,
223 detentos haviam sido levados para o centro da capital.
Temendo novos ataques, presos do Ipat chegaram a dar início a um
motim na segunda, mas acabaram contidos pela Polícia Militar. Na manhã desta
terça, foi a vez do Centro de Detenção Provisória Masculina (CDPM), também
vizinho ao Ipat e ao Compaj, se agitar. Do lado de fora, familiares
demonstravam preocupação. O neto da aposentada Maria Joaquina da Silva Sena, de
76 anos, esperava julgamento na unidade. “Eles estão com medo, gritando tanto
que daqui de fora dá para ouvir. Isso tem de ser resolvido.”
A doméstica Daiane Souza, de 24 anos, fazia coro à reclamação.
“Se a gente ficar calada, só vai vir os pedaços, como aconteceu no Compaj”,
disse ela, cobrando atenção para a situação do irmão, que está preso. Diante do
massacre no Compaj, que também enfrenta problema de superlotação, o governador
do Amazonas, José Melo (PROS), anunciou na segunda a construção de três
unidades prisionais em Manaus, Manacapuru e Parintins – a ser iniciada neste
ano. O objetivo da administração é ampliar em mais de 4 mil vagas a capacidade
prisional.
Além disso, a Polícia Militar passou a integrar a segurança de
unidades prisionais de Manaus. Nesta terça, o secretário de Segurança, Sérgio
Fontes, foi questionado se o reforço afetaria o policiamento de rua na capital.
Ele disse que, apesar de “o cobertor ser curto”, o remanejamento era
necessário.
Ele também evitou falar de transferências. “Presos só irão para
presídios federais quando as investigações terminarem. Sabemos mais ou menos
quem são os líderes porque tratamos com eles na hora da negociação. Mas esse
saber não é suficiente. É preciso provar e você só prova com um inquérito
formal.” Ele ressaltou que agora o “sistema está sob controle”.
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